publicado em 25/05/2022

Por Marcus Gazzola
Mestre em Direito e Advogado

Em atual e polêmica decisão, o a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu vínculo empregatício entre um motorista e a Uber e determinou que os autos retornem à origem para que o juízo do trabalho analise os pedidos do trabalhador que ajuizou a ação contra a plataforma. Trata-se de um precedente inédito na Corte, a favor do trabalhador, uma vez que a 4ª e a 5ª Turmas têm entendimento em sentido contrário. A decisão é de 6 de abril, extraída dos autos 100353-02.2017.5.01.0066

A decisão se deu por maioria de votos e prevaleceu o entendimento do relator, ministro Maurício Godinho Delgado.

Para o relator, há elementos que configuram o vínculo empregatício entre a Uber e o motorista, como por exemplo, a subordinação, já que a plataforma determina ordens objetivas a serem cumpridas pelos motoristas.

Para a Uber e outras empresas que atual nesse segmento, o caso não pode ser reconhecido como sujeito à legislação trabalhista.

Dessa forma, o caso pode ser levado para uma uniformização dentro do TST para a Subseção Especializada em Dissídios Individuais (SBD-I), vez que em outras Turmas o entendimento é contrário, abrindo precedente que exija pacificação.

Em linhas gerais, a Uber, como as outras empresas do mesmo segmento, reforçam sua tese de que a Justiça brasileira formou jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). No caso, as plataformas afirmam que os motoristas são parceiros de negócios e não são empregados e nem prestam serviço à Uber, mas que são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Além disso, afirmam que os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima, inexistindo os requisitos do vínculo de emprego do art. 3º da CLT.

A novidade desse caso é a observação pelo TST de algo que a doutrina já vem pontuando a algum tempo: a existência de uma “subordinação algorítmica”.

Para o Ministro Maurício Godinho Delgado a relação empregatícia ocorre quando estão reunidos seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Todos eles, a seu ver, estão fortemente comprovados no caso.

Em relação à pessoalidade, os elementos demonstram que o motorista se cadastrou na Uber mediante inscrição individual, com a apresentação de dados pessoais e bancários, e era submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir das notas atribuídas pela clientela.

A onerosidade, por sua vez, decorre do repasse de 70% a 80% do valor pago pelos passageiros. Essa percentagem elevada se justificaria pelo fato de o motorista ter de arcar com todos os custos do transporte (manutenção do veículo, gasolina, provedor de internet, celular, etc.).

No entender do relator, a não eventualidade também ficou comprovada: embora a relação tenha perdurado por menos de dois meses, durante esse período, o serviço foi prestado permanentemente todos os dias, com controle da plataforma sobre o tempo à sua disposição. Finalmente, sobre a subordinação, o ministro considera que o monitoramento tecnológico, ou “subordinação algorítmica”, talvez seja superior a outras situações trabalhistas tradicionais.

A questão é polêmica porque a legislação brasileira que reconhece a existência do vínculo de emprego é antiga, cujo Decreto-Lei 5.452 de 1º de maio de 1943 está a menos de um ano de completar 80 anos de vigência, e, obviamente, não poderia contemplar as relações interpessoais e de capital-trabalho que a sociedade vem criando muito rapidamente com fundamento nas novas tecnologias.

Resta sabermos e aguardarmos se o TST manterá sua prerrogativa constitucional de interpretação e aplicação da legislação trabalhista a novos casos, ou se relegará à tese e posição da Uber e demais empresas congêneres da necessidade de haver legislação específica para regulamentar esse tipo de atividade.

Alguns setores da sociedade e política possuem leitura da situação como um ingerência indevida do judiciário nas liberdades individuais e liberdade econômica, enquanto outros setores analisam justamente ao contrário: esse fenômeno de migração do trabalho para atividades sujeitas a atividade algorítmica, sem vínculo, sugerem um empobrecimento do país como um todo, donde os trabalhadores com má formação e sem encontrar nova recolocação, acabam se realocando em atividades da iniciativa privada sem qualquer garantia social: um país de Uberes e de entregadores de iFood, por falta de opção. 

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